08 dezembro, 2013

A incompreensível diferença entre objetos e mulheres

   Eu me senti um lixo. Era mais uma tarde qualquer, tarde, claridade, Sol, crianças na rua, carros passando, não me parecia uma situação de risco muito menos uma situação em que eu pudesse me sentir um lixo. Eu me sentia camuflada, depois que me tornei adolescente eu preferi sair assim. Mas talvez eu não estivesse suficientemente camuflada. Eu ia a padaria, ao mercado, a praça, ali na esquina, dar uma volta. No meu padrão de short jeans e camiseta, eu estava andando na rua como outra pessoa qualquer. A diferença? Eu sou mulher.


   No início do problema, eu não via nada como um problema. A sociedade me ensinou que isso é normal, então eu apenas abaixava a cabeça e lidava como se nada estivesse acontecendo. "Eu sou superior, não sou?" e continuava andando. Já vi velhos babões, meninos de uniforme, rapazes nas esquinas, uns até com aliança, outros que aparentavam ter uns 30 e que com certeza tinham uma filha, ou uma prima, ou alguma tia...
   Comecei a evitar as calçadas dos bares, evitei passar muito perto dos pontos de táxi e eu já não andava mais pelas ruas, eu me sentia num campo minado. Meu pai me deu um short, eu sempre gostei muito dele. No calor, no fresquinho, em qualquer momento avulso, ele me caiu muito bem. E os homens que estão na rua, dentro dos ônibus, nas janelas de suas casas ou em qualquer canto, fazem questão de concordar em alta voz com isso. Nunca me pareceu elogio, me parecia nojeira em formato sonoro. No início do problema, eu me achava o problema. Será que eu sou a errada de vestir um short curto? Será que eu sou a errada de andar sozinha na rua? Será que eu sou a errada desse desejo incontrolável do homem de gritar em plenas calçadas, avenidas, esquinas, vielas, portas e janelas algo que eles realmente acreditam que é um elogio?
   Não é um elogio.
   Eu nunca tinha ouvido falar sobre a cultura feminista. Mas a partir do momento que a ouvi, soube que ela tinha sido feita todinha pra mim. Aliás, basicamente para todas as mulheres. Eu estou na rua, andando livremente. Eu tenho uma mãe em casa, um pai em casa, basicamente, uma família. Era uma história engraçada, "antigamente" poderíamos associar qualquer gracinha aos pedreiros. O mundo está de cabeça pra baixo! Quase todos os homens viraram pedreiros! "Ei gostosa", "ohhh lá em casa", "imagina isso na minha cama", "delícia", "senta aqui minha linda" e já tive que me deparar com até um "olha que delícia de peitinhos". Eu nunca estive preparada para ouvir isso, eu não devo me preparar para ouvir isso. Eu não preciso dos seus elogios.
   Isso NÃO são elogios.


   Uma vez, eu passei pela infelicidade de ouvir que mulheres são como carteiras. Infelizmente não era uma metáfora. A ideia é que se você deixa uma carteira "dando bobeira" é claro que vão se aproveitar disso. Para quem não entendeu, a (horrorosa, tenebrosa e nojenta) ideia nos leva a pensar que: Se você é mulher e fica dando bobeira ai na rua (como uma piranha, ou uma mulher que não é de família... Isso que eles querem dizer) é óbvio que vão te olhar, mexer com você e gritar "elogios". Olhar nunca foi problema, mas eles nos comem com os olhos. Mexer educação nunca foi problema, mas eles nos discriminam com as palavras. Elogiar é uma arte. Mas como eu adoro um clichê: Nem todo mundo é artista.
   Meu short jeans curto é mais óbvio do que parece: Eu estou afim de usá-lo, está calor e ele me cai bem. Ele nunca foi e jamais será um convite para suas frases baixas. O meu decote é de minha vontade, eu adoro o meu corpo e ele também não é um convite. Mulheres não são objetos, não são carteiras. 
   Vamos rebobinar e brincar "ao invés"? Imagine a seguinte situação: Está muito calor, um homem está sem blusa na rua (claro, com pouca roupa desse jeito ele está pedindo pra ser assediado por mulheres loucas falando frases de baixo calão e alto teor de vulgaridade), então uma mulher vendo a belezinha desfilar pelas ruas da cidade com seu corpinho de fora solta um "Imagina isso lá em casa ein...". Sejamos sinceros e honestos: Não diremos que o homem sem blusa está pedindo pra ser azarado, mas sim que a mulher é tão puta que anda mexendo com homens na rua - essa não deve ter um homem em casa para dar umas porradas nela, né queridos? - É apenas uma questão de lógica. Se colocarmos essa história ao invés, como acontece na realidade fica mais ou menos: ACORDA! Diremos que meninas de roupa curtinha estão pedindo pra ser azaradas, dificilmente diremos que estes homens são uns canalhas e não devem ter uma mulher em casa para dar uns bons tapas neles. 
   Eu realmente queria terminar meu desabafo de indignação por aqui, mas, infelizmente, ainda digo mais. Em situações aonde homens, no geral, mexem conosco na rua, se nos atrevemos a responder, eles nos xingam mais ainda e o argumento não poderia ser outro: "Eu ein, eu só estava elogiando. Vadia, vai lavar uma louça, vai!".
   A mulher jamais precisou e jamais precisará de situações como essa. É um erro acreditar que tais falas sugerem uma admiração pela mulher ou pelo corpo feminino. A falta de respeito, de espaço e de liberdade feminina é uma situação que, basicamente, todas nós enfrentamos todos os dias; Nas escolas, nossos trabalhos, idas ao mercado, praia e ruas. Até quando eu terei que me perguntar "Será que o erro é meu?", até quando eu terei que abrir mão dos meus shorts, saias, vestidos e decotes porque um simples homem "não consegue se controlar"? Quando eles terão a noção de que nós somos filhas de alguém, mães de alguém, primas, tias, avós, amigas de alguém? Você mexe vulgarmente com meninas na rua? Isso, delícia, se chama violência. 
   Eu estou realmente cansada de me perguntar aonde está o erro e me encontrar sempre na mesma resposta "Simples, eu nasci mulher".

   Basicamente, este é o meu desabafo. Não é de agora que passo por situações como essa e é deplorável perceber que só recebo respeito quando estou com algum homem por perto. Aliás, isso sugere que os homens da rua tem respeito pelo homem que está comigo e não por mim, porque eles jamais mexeriam "com a mulher é que do outro". Assim como eu jamais mexeria na carteira que está no bolso de alguém, mas se ela estivesse no chão... Né? 

Leth

Um comentário:

  1. Cara, tudo o que você disse traduz exatamente meu sentimento. Não somos objetos, somos mais do que isso! Adorei o discurso sincero, sem exageros tanto para um lado quanto para o outro. Também sou contra quem se diz feminista mas na verdade espalha ódio a todos os homens indiscriminadamente. Acima de tudo nos movimentos que planejam ser maiores que a moral batida e velha da sociedade, precisa-se ter respeito mútuo!
    www.balburdia-interna.blogspot.com.br

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